Carnaval de Oruru. Foto: Jaime Bórquez
Texto e fotos Jaime Bórquez
Se quer entender o Carnaval de Oruro não vai ser numa só visita que vai conseguir este propósito. Poderá investigar, conversar com entendidos na matéria, pesquisar seu passado e chegar até os tempos da colonização espanhola. Mas, já vamos avisando, quanto mais pesquisar, mais dúvidas e perguntas sem respostas aparecerão. Portanto, o melhor que os visitantes devem fazer é gozar estes dias de festa, de uma riqueza folclórica admirável, de uma tradição que nenhum colonizador logrou sepultar, tentado até com extrema violência.
Mas, mesmo sem entender ele profundamente, podemos dizer algumas certezas. Ao contrário do carnaval de Rio ou de São Paulo, o de Oruro não é uma competição, longe disso. É a festa de um povo, no amplo sentido da palavra. Numa cidade com 261 mil habitantes, o carnaval convoca 100 mil dançarinos e 7 mil músicos. Quando uma festa reúne mais de um terço da população do lugar, alguma razão poderosa há e aqui só cabem a fé e o desejo de manter a tradição cultural. Para se ter uma pequena ideia do tamanho desta festa, um dado pode ser interessante de saber, em um dia se apresentam 48 blocos, conjuntos ou fraternidades, que fazem uma amostra de 18 tipos diferentes de dança, cada uma com sua peculiar música e vestimenta. São três dias de uma festa que foi declarada pela UNESCO como Obra Mestre do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, o 18 de maio de 2001.
A origem desta festa em Oruro é produto de três elementos ancestrais de invocação andina, à Pachamama, ou Mãe Terra, ao Tio Supay, ou Satã dos mineiros, e à Mãezinha do Socavón, que é a Virgem da Candelária. Portanto, este carnaval nada mais é que sincretismo pagão-religioso com grande valor devocional. De fato, o longo e esgotante percurso, de dia, noite ou madrugada, embaixo de chuva ou sol inclementes, só termina após entrar na igreja da Candelária e, muitos de joelhos, agradecendo à sua querida Virgen del Socavón.
São mais de 18 tipos diferentes de dança, cada uma com músicas, ritmos e vestimentas também diferentes. Uma festa que se tem mantido nas tradições por muitos anos, sem ter perdido sua raiz cultural. A Bolívia é uma nação com dezenas de grupos étnicos e o Carnaval de Oruro é reflexo só de uma parte deles, a chamada Terra Alta dos Urus. Cada bloco encara mais de uma hora de dança e música constante por dezenas de quarteirões da cidade. Só num deles é cobrado o ingresso, algo assim como o oficial, onde se instalam as autoridades para ver e participar deste magno evento. É lá que esteve muitas vezes o ex-presidente Evo Morales, fazendo questão de dizer que o fazia como um boliviano comum e não como presidente do país. Contava que, quando era criança, escutava ao longe os ritmos deste carnaval, enquanto ele cuidava de seus poucos animais, que pastavam nos arredores de Oruro. O desejo de ver e participar na festa era um sonho para ele. E é um sonho e desejo de todos os bolivianos que participam desta festa, que não tem perdido seu caráter popular e a força de dar, a todos os que chegam a Oruro nestes dias, uma energia que os une com a Terra e os Céus.